quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Cinema e Religião


Trecho da entrevista ao IHU-Online, de dezembro de 2012. Público em partes, pois depois de tanto tempo notei que era muito conteúdo para uma entrevista só. O leitor contemporâneo não tem tempo para ler um imenso texto. Então, vamos por partes. Ao final do texto manterei sempre o link da entrevista original para quem desejar lê-la de uma só vez.

 

IHU On-Line – De forma geral, como o senhor define e caracteriza a relação entre cinema e religião e entre teologia e cinema?

Luiz Vadico – Antes de responder a essas duas questões, gostaria de estabelecer o lugar a partir do qual tecerei meus comentários. O meu campo de pesquisa é o chamado cinema mainstrean, ou simplesmente o “cinema comercial” como muitos o conhecem, seja ele hollywoodiano/americano ou de outra origem, como francesa ou italiana. A palavra “religião”, por sua vez, possui uma acepção extremamente ampla, e tomada desta forma pulverizaria e fragmentaria qualquer conclusão a que poderíamos chegar. Falamos, portanto, a partir do ocidente, a partir da experiência cristã, e nossas conclusões não se aplicam necessariamente a outras religiões e religiosidades. Então, no que tange ao vetor cinema/religião, o interesse da indústria cinematográfica sempre foi o lucro. O cinema é uma arte industrial. O filme é um produto desta indústria, um produto caro (mesmo quando de baixo orçamento) que necessita ser vendido e dar retorno financeiro. Esta indústria, desde o início da sua história, desejou elaborar um produto que pudesse atingir o público das igrejas, pois isso lhe daria maior respaldo social, e no início do século XX era difícil encontrar um espectador que não estivesse ligado a uma confissão qualquer. Nesse sentido, a nascente indústria desejou fazer um produto que pudesse agradar este público e cativá-lo, minimizando os seus riscos. A religião, seus sentidos e significados, não fazia parte de seu interesse propriamente dito.

“Ligas pela Moral”

Esta necessidade do cinema surgiu frente ao desenvolvimento das chamadas “Ligas pela Moral”, um movimento social bastante significativo na virada do século XIX para o XX, e que possuía ramificações em diversos países, como Itália, Suíça, Grã-Bretanha, França, Estados Unidos e Brasil. As Ligas, que inicialmente lutavam contra a pornografia (cartões postais, impressos e literatura), posteriormente passaram também a questionar a qualidade moral dos filmes e se empenharam em fechar as insipientes salas de cinema, em nome da moral e dos bons costumes. É importante notar que, apesar de contar com o aval das instituições religiosas, as ligas foram organizadas por componentes da sociedade civil. Este processo culminaria com o estabelecimento do British Board (órgão de censura britânico), em 1913, e do conhecido “Código Hays” de autorregulamentação cinematográfica, nos Estados Unidos, cujos efeitos se fariam sentir desde a sua pré-elaboração, nos anos 1920, até o seu desaparecimento em fins dos anos 1960.

No outro vetor possível religião/cinema as relações foram múltiplas e complexas, pois não há como se dizer que uma “religião” lidou desta ou daquela maneira, mas o que parece ter havido foi uma multiplicidade de reações particulares destes ou daqueles representantes de uma determinada religião, disseminados pelo planeta inteiro.

Catolicismo e cinema: catequese

No que tange ao catolicismo, a reação da Igreja desde o surgimento do cinematógrafo foi razoavelmente positiva, pois nele viu de imediato a chance de continuar a sua catequese. Nesse sentido, a Igreja Católica sempre esteve pronta para abraçar novas tecnologias que permitissem um melhor desenvolvimento da sua catequese. Desde o longínquo passado foi ela que financiou a arte, e durante toda a chamada Idade Média, a arte era a sacra, e isto se alterou pouco quando se estabeleceu o período do Renascimento. A Igreja era a patrona das artes, e estas serviam aos seus propósitos (a arte também se serviu da Igreja). Já no século XVIII e no seguinte, a Igreja se apropriou mui rapidamente da Lanterna Mágica, invenção de um jesuíta alemão, Athanasius Kirchner , para com as imagens projetadas encantar crianças e adultos com a vida de Cristo ou com diversas passagens bíblicas.

Porém, o cinema não era a Lanterna Mágica, e pouco depois do seu surgimento uma indústria se formou. E esta indústria não tinha como estar sob o controle de nenhuma igreja. Pois o contexto histórico era o da laicização do estado em diversos países. Então, restou-lhes pressionar e negociar para que os filmes originados pudessem ser de alguma utilidade ou qualidade moral para atender às necessidades de seus fiéis.

O campo do filme religioso

É neste embate entre o campo do filme (indústria cinematográfica) e o campo do religioso (instituições religiosos e seus seguidores) que surgiu o Campo do Filme Religioso . Um campo que se organizou e se reorganiza conforme os conflitos de interesses de um e de outro. As comunidades cristãs lidaram com o cinema de formas muito variadas, umas aceitando-o muito rapidamente e buscando agregá-lo e outras questionando ou rejeitando. Até onde nossas pesquisas progrediram parece que os protestantes tiveram maior dificuldade em lidar com as imagens em movimento do que os católicos. Essa resistência, apesar de significativa, foi derrotada perante o interesse dos espectadores e da indústria cinematográfica, provavelmente, segundo a pesquisadora americana Pamela Grace, em seu livro The religious film (2009), por causa desta capacidade “mágica” do cinema em recriar contextos e estórias das quais todos gostaríamos de ter participado ou ver como realmente ocorreram. A Igreja Católica só realmente se pronunciaria oficialmente a respeito do cinema já na década de 1930. Para alguns padres o cinema significava uma grande oportunidade de educação espiritual e moral das massas, às vezes lamentavam-se da qualidade do produto que tinham de assistir. Já outros eram francamente contra, chegando a dizer que era uma “invenção do Diabo” .

A teologia entra em cena

Na busca de verificar e pensar a qualidade do conteúdo dos filmes é que aos poucos a teologia vai entrando em cena. Aqui, precisamos entender a teologia em seus diversos níveis, não necessariamente falamos dos teólogos, mas da teologia adotada em determinados contextos históricos e que formou nitidamente as pessoas comuns e os representantes das instituições religiosas. É através da teologia interiorizada que os olhos deles irão filtrar a qualidade dos filmes. Este tipo de prática mantém-se até a atualidade. Nesse sentido, dizemos que mesmo os cineastas possuem pressupostos teológicos envolvidos em suas produções mesmo que o ignorem, pois nasceram num meio cristão mergulhado em leituras e práticas teológicas vazadas pela religião. Então, de maneira direta ou indireta a teologia influencia na manufatura dos filmes de assunto religioso. E esta teologia pode ser – no que respeita ao cristianismo – católica ou protestante .

Já em meados dos anos 1910 as primeiras revistas de crítica cinematográfica, organizadas pioneiramente por católicos, começaram a circular e a ter um papel relevante na indicação da qualidade moral dos filmes que seus fiéis poderiam ver. Muito rapidamente essas revistas passaram a se preocupar também com a qualidade estética dessas películas. Preocupavam-se em formar um público que soubesse lidar com o cinema, muito mais do que censurar ou reprimir, havia o desejo de que o espectador pudesse reconhecer as qualidades e os defeitos dos filmes. Esta posição da crítica católica, francamente favorável a uma qualidade artística do filme, terminaria se impondo como uma prática adotada até mesmo pelos protestantes. A conjunção de qualidade moral e artística, não necessariamente da Igreja, mas com certeza da prática da crítica Católica, iria aos poucos desembocar na sua conhecida preferência pelos “filmes arte” ou “cult” e, sobretudo, os “autorais”, como sendo os mais dignos de análise e aqueles nos quais eles teriam plenas condições de encontrar reflexões cristãs e teológicas de qualidade. Essa posição ficou ainda mais clara com o surgimento do chamado “cinema autoral” em fim dos anos 1950, e que havia se iniciado com a “política dos autores”, sob a influência direta de François Truffaut , na revista francesa Cahiers du Cinèma.

O cinema de massa

Esta não foi apenas a posição dos críticos católicos, mas também a de pesquisadores e teóricos franceses e brasileiros relativamente à dignidade do objeto de estudo. Até pouco tempo atrás falar em cinema de massa, ou mainstrean, nos meios acadêmicos era uma espécie de blasfêmia, punida com o ostracismo e a ridicularização. Pois o mainstrean era o “cinema americano” contra o qual se lutava, pois era amigo da alienação do proletariado, etc. Nem é necessário dizer que, por mais sincera que houvesse sido esta escolha pelos filmes mais artísticos, ela significava evidente elitismo. Seria uma elite pensante que diria o que serve e não serve para as massas. No entanto, atualmente as massas – graças às novas mídias – parecem ter se imposto, e é necessário saber – minimamente – o que estas veem e por que gostam de ver o que veem e como lidam com isso. E, para nós, isto parece pedir uma mudança de postura relativamente ao que se fez no passado. Nem por isso devemos minimizar o importante papel das igrejas na formação do público de cinema e da cinefilia; uma das raízes evidentes do chamado Cinema Moderno está plantada na formação dos cineclubes na Europa, que eram majoritariamente de origem católica.

Cinema e a produção de teologias

Os teólogos que se voltaram para a análise do filme fizeram-no em busca de encontrarem temas teologais e também buscando verificar a adequação das adaptações bíblicas. Ainda era um campo de pesquisa bastante inicial e não tiveram a preocupação de verificar se o cinema era capaz de produzir teologias e quais os seus significados. Partia-se da teologia para o filme e não do filme para a teologia. Esta preocupação é bem recente e data tão somente de fins dos anos 1990, com trabalhos de teólogos como William Telford, Clive Marsh e Lloyd Baugh. Há pouco tempo descobri haver também uma vertente italiana destes estudos, mas com a qual ainda não pude me familiarizar. Hoje essas duas vertentes de estudos convivem.

Observemos que as relações entre cinema/religião e religião/cinema são complexas e necessitam ser observadas nos seus diversos contextos históricos e sociais para serem bem compreendidas, caso contrário perderemos os seus reais significados.

 

Link para a Entrevista completa:

quarta-feira, 13 de março de 2013

O épico bíblico hollywoodiano - O espetáculo como estética da salvação

Divulgo meu artigo recén publicado pela Revista Rebeca, órgão da Socine, organização que nos é muito cara. Segue o resumo e o link para os interessados. O assunto é antigo, a abordagem é nova, espero que gostem e que seja útil.

http://www.socine.org.br/rebeca/dossie.asp?Código=109


O épico bíblico hollywoodiano - O espetáculo como estética da salvação 

    

  Neste artigo tratamos do gênero épico bíblico hollywoodiano. Não obstante ser um dos gêneros que contam com alguns dos filmes mais importantes da história de Hollywood, como Os dez mandamentos (DeMille), A maior história de todos os tempos (Stevens) e Ben-Hur (Wyller), a sua conceituação e pesquisa ainda permanecem num terreno inicial. Aqui se apresenta o gênero, suas características e história, ao mesmo tempo em que se faz uma discussão crítica da metodologia utilizada por autores como Jon Solomon e Babington & Evans na análise e constituição do corpus de filmes que o compõe. Discute-se a leitura que se fez da Bíblia como fonte dos filmes e como ponto de partida da análise por aqueles autores, bem como se discute a divisão do gênero nos tipos Velho Testamento, filmes de Cristo e épicos romanos/cristãos, realizada por Babington & Evans. Busca-se prioritariamente compreender a origem dos temas e assuntos que inspiraram essas produções, procurando dessa forma avançar nas discussões relativas ao gênero.

O Papa Chico

O novo Papa vem de uma tradição mais que respeitável da Igreja Católica, a dos Jesuítas. Alguns não gostam outros gostam. A verdade - a que conheço - é que sempre fizeram trabalho dos mais honestos no âmbito da pesquisa e da educação. São verdadeiros intelectuais da Igreja, dinâmicos, políticos, fortes, e normalmente mantém opiniões corajosas, mesmo em sutil discordância com a Santa Sé.
O que li ...sobre o novo Papa não parece desmentir a tradição Jesuítica. Parece ser um homem de coragem, posições claras, e com uma leve abertura para os problemas contemporâneos. A escolha do nome Francisco, traz algumas esperanças, pois sinaliza para o santo de mesmo nome. Francisco de Assis, apesar de correr por fora da báia, no que tange à política da Igreja Medieval, foi um dos seus mais renomados e profundos reformadores. O seu voto de pobreza, a escolha pelos pobres e as atitudes corajosas indicam o caminho que o novo Papa parece escolher. Hoje no trabalho já estávamos conversando sobre o assunto, e o nome - bem escolhido - já inspirou simpatia, ele já virou o Papa Chico. Outro colega remendou dizendo que em espanhol o apelido seria Paco, mas acho que ficaria estranho Papa Paco, são pás demais, rs. Boa sorte Papa Chico!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Cinema e Transcendência. Um debate. IHU-On-Line

O IHU-On-Line  publicou um número especial sobre Cinema e Transcedência. Creio que este foi um numero inovador, pois todas as entrevistas que li estavam propondo um olhar diferenciado para o Cinema e a Religião. Um número bastante feliz desta conceituada revista. Aproveitar para agradecer o convite que me fizeram para participar desta edição.

Acessem
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4830&secao=412

Cinema e transcendência. Um debate

Pasolini, Bergman, Lars von Trier, Malick, Cameron, diretores de obras como o clássico O Evangelho segundo São Mateus até o mais recente Avatar, passando por importantes diretores indianos, japoneses, chineses e coreanos, são alguns nomes do atual panorama cinematográfico debatidos nesta última da edição da IHU-On-Line deste ano, que discute os diferentes e controversos modos de presença da transcendência no cinema contemporâneo.
 
Contribuem para o debate Andreia Vasconcellos, Faustino Teixeira, Flávia Arielo, José Abílio Perez, Júlio Cézar Adam, Luiz Vadico, Rodrigo Petronio e Luiz Felipe Pondé.

sábado, 1 de dezembro de 2012

A atualidade da cristologia fílmica

O historiador Luiz Vadico examina a importância dos filmes sobre Jesus Cristo no debate acerca de sua figura histórica e por que essas produções continuam a despertar tanto interesse

Por: Márcia Junges e Stefanie Dal Forno

A vida de Cristo inspirou e continua inspirando um sem-número de produções cinematográficas. De acordo com Luiz Vadico, “dados relativos à qualidade da produção, a junção com o calendário religioso, e agora a facilidade de obtenção destes filmes que se tornaram clássicos do imaginário popular, são dados que permitem que essas produções sejam continuamente vistas e revisitadas”. Analisando a apreensão “pop” da imagem de Jesus Cristo, Vadico acentua: “acredito que ser ‘pop’ é muito pouco para Ele. Ele é considerado Deus, está para além do humano sem deixar de sê-lo. Então, não pode entrar de qualquer forma num panteão organizado pela mídia. Dizer que ele é um ícone pop significa exatamente isso, remetê-lo à geleia geral”. E arremata: “É necessário encontrar uma expressão digna, justa e santa daquilo que é sagrado para todo o Ocidente. Deus precisa ser propagado, mas ele não é mercadoria”. As afirmações fazem parte da entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Licenciado e bacharelado em História pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Luiz Vadico possui mestrado e doutorado em Multimeios pela mesma instituição. Atualmente, é professor titular da Universidade Anhembi Morumbi, supervisor do Centro de Estudos do Audiovisual - UAM, e professor de Comunicação, Estética e Cultura de Massa no curso de Extensão em TV para a Televisão Pública de Angola - TPA, em Luanda, Angola. É também membro do Conselho Editorial da revista Interatividade e membro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual - Socine. Além disso, Vadico é também escritor e poeta. Escreveu Filmes de Cristo. Oito aproximações (São Paulo: Editora à Lápis, 2009). Ele estará na Unisinos em 31-03-2011, apresentando dois eventos da programação Páscoa IHU 2011 – Debates sobre o cuidado da vida na cultura contemporânea. O primeiro evento está marcado para as 17h30min, quando proferirá a conferência Cristologia fílmica. O segundo inicia às 19h30min e é intitulado Ficção e imagens de Jesus no Cinema.


Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a importância da cristologia fílmica no debate acerca do Jesus histórico?

Luiz Vadico -
A sua questão é bastante interessante. Ela pode ser observada sob diversos ângulos e aspectos. O mais direto seria inicialmente: “o que a pesquisa relativa ao Jesus histórico afeta a produção fílmica”. O século XIX é conhecido como um momento em que se manifestou um profundo gosto pelo realismo, e aí o realismo considerado sob todos os aspectos, imagens naturalistas, locações autênticas, cenários adequados, vestimentas das personagens o mais autênticas possíveis. Enfim, o gosto pelo realismo, que já fazia parte do cotidiano do século XIX, estende-se para as primeiras produções cinematográficas e nelas finca fortes raízes.
Neste sentido é importante notar que três filmes importantes do início do cinema possuíam uma forte influência do orientalista francês James Tissot , que havia, imbuído do espírito de pesquisa, viajado à Terra Santa para realizar aquarelas que tivessem o espírito do local, para criar personagens para seus quadros que tivessem a expressão facial e racial da população local. Uma busca pelo verdadeiro “rosto” de Jesus Cristo, realizada através da visita aos locais sagrados, recolhendo traços, paisagens, edificações, detalhes estes que comporiam as importantes aquarelas que realizou e publicou sob o título de Vida de Cristo, estas, por sua vez, fariam imenso sucesso e seriam utilizadas como referência nos filmes La Vie et la Passion de Jesus Christ (Zecca/Nonguet/1902-3), La Vie du Christ (Alice Guy/1906), e Da Manjedoura à Cruz (Sidney Ollcott/1912). Este último filme também apontava para o gosto do real acima de tudo, uma vez que ele foi apropriadamente realizado na Terra Santa. Como vemos, neste caso temos uma relação direta entre “pesquisa sobre o Jesus histórico” e o cinema também considero Tissot entre aqueles que se dedicaram a estes estudos.

Dois Messias
Em outro momento importante da história dos filmes de Cristo, observamos que o diretor Nicholas Ray propõe em seu filme Rei dos Reis (1961) a possibilidade de dois messias: um da paz (Jesus) e outro da guerra (Barrabás), e não é coincidência que também existia referência a dois messias em textos dos antigos essênios, descobertos recentemente àquela época, em 1947, nas cavernas do mar Morto, em Qunram.
Observaremos esta relação de Jesus com os essênios uma vez mais em A Última Tentação de Cristo (1988), de Martin Scorsese, mesmo que ela tenha vindo de segunda mão, pois deriva do romance do qual o filme foi adaptado. Podemos notar a profunda pesquisa histórica relativa ao judaísmo antigo, realizada por Franco Zeffirelli, para o seu Jesus de Nazaré (1977) e que afeta a imagem final de Jesus deixando-o mais próximo ao judaísmo, em conformidade com a afirmação de judeidade do Cristo encontrada na obra de diversos autores como Jeremias.

Poderíamos ficar dias e dias perscrutando pequenos detalhes sobre como a pesquisa do Jesus histórico, em termos arqueológicos e acadêmicos, afetou as produções cinematográficas. No entanto, é fundamental que se perceba que a produção sobre o Jesus histórico chega mais rapidamente às telas do que as igrejas. Jesus está mais essênio em Rei dos Reis, ao mesmo tempo em que em A Última Tentação... A sua suposta ligação com os essênios é amadurecida e discutida.

IHU On-Line - Por que filmes que retratam Jesus continuam sendo tão atuais e assistidos?

Luiz Vadico –
Várias razões cooperam para que estes filmes continuem sendo vistos, revistos, revisitados e sirvam ainda como modelos para os futuros filmes de Cristo. A vida de Jesus Cristo é para o Ocidente um assunto muito especial. Desde o início da história do cinema já se tinha isso muito claro em mente: quem irá fazer o filme deve ser um diretor bastante experiente, o cenário o melhor possível, os figurinos, os atores, tudo do bom e do melhor. Neste investimento também iam as novas tecnologias agregadas. No Primeiro Cinema a Paixão da Pathé já era vendida em cores em 1903 (pintada à mão); em 1927, Em O Rei dos Reis de Cecil B. DeMille, realizava-se a cena da ressurreição de Cristo em cores, utilizando processos ainda experimentais. No Brasil, colocavam-se atores atrás da tela para fazerem as “falas” dos atores do filme, durante a Semana Santa, para dar ainda maior realidade ao filme. É interessante lembrar que o mesmo se fazia com as imagens de Jesus e da Virgem na procissão da sexta-feira da Paixão. Dada essa condição de “coisa especial” do assunto, o filme também se tornava veículo de inovações e expectativas populares.

Também havia algo importante relativamente a estes filmes. Graças à sua existência, os cinemas podiam funcionar em feriados de dias santos; isso é curioso, pois funcionou igualmente para o Brasil e para os Estados Unidos. Então, projetar estes filmes era uma opção para burlar a proibição de manter as portas abertas. Aliado a este fato vem o calendário litúrgico. Muito cedo se associou a projeção de imagens da vida de Cristo, ou de produções com assunto religioso, a dias específicos do calendário religioso, Natal, Páscoa, Corpus Christi, etc. Isso possibilitou que todos os anos as pessoas esperassem ver este tipo de produção nos cinemas (atualmente este processo continua na TV). Não chega a ser “espantoso” pois também há a programação relativa às férias escolares, e às datas comerciais. Mas estes dados relativos à qualidade da produção, a junção com o calendário religioso, e agora a facilidade de obtenção destes filmes que se tornaram clássicos do imaginário popular, são dados que permitem que estes mesmos filmes sejam continuamente vistos e revisitados.
Claro, para além de tudo isso, existe também a questão afetiva. Aqueles que viram estes filmes na infância desejam revê-los ou mostrá-los para seus filhos, estes por sua vez são influenciados pelas novas atualizações da imagem de Jesus Cristo. Esperemos que seja um ciclo sem fim.

IHU On-Line - Jesus pode ser considerado um ícone pop? Por quê?

Luiz Vadico -
Madona é um ícone pop, Queen é um ícone pop, Michael Jackson é um ícone pop, Bhritney Speers, Rihana, Rick Martin, Bono Vox, Abba, Marilyn Monroe e Mickey Mouse são ícones pops. Todos eles. E podemos pensar em muitos outros. Você consegue encaixar Jesus Cristo aí?! Acredito que no sentido geral da palavra “pop” que só quer dizer “popular” ou de “massa” alguém poderia considerar Jesus Cristo como um ícone pop. O pop, porém, é um fenômeno cultural bem localizado no século XX (e adentrando o XXI). Podemos atualizar, e reatualizar, a imagem e até os ensinamentos de Jesus Cristo. Mas ele fez parte de um outro tempo, uma outra civilização.

Sem detrimento de qualquer uma das pessoas citadas, acredito que ser “pop” é muito pouco para ele. Ele é considerado Deus, está para além do humano sem deixar de sê-lo. Então, não pode entrar de qualquer forma num panteão organizado pela mídia. Dizer que ele é um ícone pop significa exatamente isso, remetê-lo à geleia geral. Ainda que a sua imagem possa ser explorada pelas mídias dessa forma, que ele possa ser propagandeado, etc., trata-se, sobretudo, de um profundo equívoco de quem quer que seja que deseje fazer Jesus Cristo ombrear com qualquer outra expressão humana que remeta ao banal, ao fútil, ou ao mercado de consumo.

Deus não é mercadoria
Não discordo das diversas formas que se utilizam para levar Jesus Cristo às multidões. Não discordo de padres e freiras que cantam e dançam e nem de reformas litúrgicas. No entanto, assim como os primeiros padres e pastores que se colocaram em uma posição de cuidado relativamente à produção de imagens, eu também assim me situo. É necessário encontrar uma expressão digna, justa e santa daquilo que é sagrado para todo o Ocidente. Deus precisa ser propagado, mas ele não é mercadoria. E é essa a distinção que podemos fazer: os ícones pops são mercadorias.

Você poderia ainda argumentar: “mas a imagem de Jesus Cristo já não vem sendo mercadejada no cinema e na TV?” Sim e não. Para cada uma das produções cinematográficas sempre houve discussão dos produtores com os interessados das diversas religiões envolvidas. E quando assim não aconteceram, alguns problemas e protestos ocorreram. Essa imagem pop de Jesus Cristo nasceu destas lutas entre o interesse de mercado e o interesse das religiões. Então, mesmo ela não pode ser tão pop quanto se imagina. Mas que fique claro – isto não significa impedir a criatividade artística, a expressão de fé de quem quer que seja ao fazer de Jesus Cristo uma leitura pessoal, muitas vezes projetada para uma coletividade. As novas leituras e imagens de Jesus que se criam a partir do audiovisual são um reflexo de nossa própria época, de nossa própria maneira de refletir sobre quem é Jesus. E isto sempre será algo bom e interessante.

IHU On-Line - Como surgiu o interesse em analisar produções cinematográficas cujo personagem principal é Jesus Cristo?

Luiz Vadico -
O interesse surgiu por acaso. Eu havia apenas terminado meu mestrado em Multimeios na Unicamp (2000), que versava sobre o tema da viagem no Tempo em produções Hollywoodianas (e que acabou intitulado O 13º Macaco ou a Estratégia Social de Evasão do Tempo: um panorama sobre o tema da viagem no tempo em filmes de produção hollywoodiana), quando em visita a uma livraria, em Jaú, onde meus pais moram, um livro me chamou particularmente a atenção: A imagem de Jesus ao longo dos séculos (São Paulo: Cosac & Naify, 2000), livro de Jaroslav Pelikan , um respeitado historiador das religiões radicado nos Estados Unidos. Nessa obra Pelikan partia da ideia encontrada nos Evangelhos de que Jesus “é o mesmo, ontem e hoje” para indagar-se sobre o que havia mudado em nossa percepção sobre Jesus ao longo dos séculos, sobre se ele, para nós, era realmente imutável. O autor fez um grande percurso ao longo da história da arte. Após folhearmos atenta e avidamente o livro, notamos que ele não tratava das imagens de Jesus elaboradas no cinema e nem na TV.

Ora, desde minha graduação em História, eu era um apreciador de tudo o que dizia respeito ao século I (século I A.C. e D.C.); já havia lido muito sobre as pesquisas relativas ao Jesus histórico e sobre a Roma Antiga; estava até mesmo ensaiando um romance que se passaria naquela época. De repente, a ideia encontrou terreno fértil: eu iria juntar dois assuntos que me fascinavam – Jesus Cristo (séc. I) e as transformações sociais causadas pelo Cinema. A isso se juntou um terceiro item: a minha formação com ênfase em História da Religião. Até então eu havia estudado o espiritismo no Brasil. Naquele momento eu não sabia dimensionar o tamanho do “problema” no qual estava adentrando. Eu nem imaginava que, ao dizer “imagem”, Jaroslav Pelikan também queria dizer “títulos cristológicos”, e que estes mesmos títulos cristológicos eram o próprio fundamento de uma área da Teologia chamada de Cristologia, coisas que fui aprendendo ao longo da pesquisa.

Aqui cabe citar uma curiosa coincidência. Barnes Tatum, outro teórico do assunto, na introdução de seu livro Jesus at the Movies: A Guide to the First Hundred Years (Santa Rosa: Polebridge Press, 1998), também se diz inspirado pelo livro de Jaroslav Pelikan. Penso que o tempo estava maduro para o florescimento do tema, pois vários livros foram publicados nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Escócia, acerca da representação de Jesus cristo no cinema. Vários ainda titubeando relativamente aos caminhos a serem seguidos. Mas, hoje, já contamos com bibliografia interessante e até mesmo farta.

IHU On-Line - Como é realizada essa análise?

Luiz Vadico -
Em termos gerais, trata-se de uma análise fílmica. No entanto, ela é realizada por meio da verificação de alguns quesitos específicos do produto midiático “filme de Cristo”. Quando se trata de verificar a questão cristológica existe um a priori importante da análise: o filme deve tratar da vida de Jesus Cristo como um todo. Porque um título cristológico deve ser verificado no todo da vida de Jesus; por exemplo: ao se afirmar que Jesus é um profeta, devem-se observar na trajetória da sua vida, nos testemunhos que ele deu e que deram sobre ele, no que ele pregou e ensinou, as características que perfazem a figura do “profeta”, conforme esta é pensada no mundo bíblico. Assim, ele não é apenas chamado de profeta, mas possuímos elementos para afirmar que ele realmente é um profeta. Isso quando falamos em títulos cristológicos nos evangelhos canônicos.

Nos filmes realizados para cinema e para TV, apesar do seu conteúdo não possuir a qualidade sacral dos evangelhos, o mesmo processo deve ser realizado. Leva-se em consideração o todo da vida de Jesus como nos é mostrada na narrativa fílmica.

A partir dessa premissa, os outros elementos a serem considerados, são: a seleção do (s) filme (s); o texto de base; o texto fictício; o conteúdo imagético das cenas versus o conteúdo literal dos evangelhos; as afirmações verbais encontradas na diégese; a escolha dos atores (corpo de Cristo); a psicologia da personagem (plana, normal ou complexa); verificar as afirmações do cineasta; comparar o filme analisado e aqueles que o antecederam; o sentido do filme como um todo; o contexto histórico e social da produção; e, por fim, a recepção do filme por seus contemporâneos. Após a verificação de cada um destes itens temos condições de afirmar qual é a imagem cristológica que prevalece naquele determinado filme verificado. No entanto, cada um destes itens citados necessitam ser melhor explicitados. Neste caso, sinto que seria interessante remeter o leitor para um artigo nosso publicado pela Revista Alceu, da PUC-Rio, Cristologia fílmica: subsídios teórico-metodológicos para a análise da produção de imagens cristológicas geradas no cinema e na TV (Disponível em: http://acessa.me/b545).

IHU On-Line - O diálogo existente entre os diversos filmes sobre Cristo configura que tipo de alteração significativa na sua história?

Luiz Vadico -
O fator comparativo possibilita contrastar inovações, sejam tecnológicas, narratológicas ou estéticas. Em diversos momentos da história do cinema a imagem de Jesus passou por elaborações fictícias, e a exibição pública - e repetição - ao longo da passagem do tempo, permitiu a sua consolidação cultural. Nesta questão colocada por você, o importante não é tanto as alterações na “história” quanto na interpretação da história. Um item marcante neste diálogo entre diversos filmes é o problema da “desculpabilização dos judeus” da morte de Jesus. Desde o início da história do cinema este problema surgiu. E é interessante notar como as diversas produções lidaram com esta situação. Algumas, como, por exemplo, o filme Rei dos Reis (1961), do diretor Nicholas Ray, traz um julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos, no qual a multidão e os sacerdotes judeus não estão presentes e não são nem sequer mencionados; o roteirista e o diretor criaram ainda uma personagem – Centurião Lucius – que funciona como uma espécie de advogado de Jesus. Claro, este é um exemplo extremo.

Ao longo da história do cinema ocorrem muitas sutilezas que são vistas como adequação da história como material fílmico, e que terminam por significar alterações sensíveis. Nos filmes de maior aproximação com o catolicismo encontramos uma participação muito mais efetiva da Virgem Maria; ela se encontra costumeiramente como figurante ou participante ativa em situações evangélicas nas quais ela jamais foi mencionada textualmente. Há personagens que são brevemente citadas nos evangelhos, como José de Arimateia, e Nicodemos, que recebem papéis de relevo e destaque na trama fílmica, coisa, que, de fato, parecem não ter tido. Neste caso são exemplos O Cristo Vivo, de 1952, Eu vi sua Glória!, de 1953, ambos da produtora americana Cathedral, e Jesus de Nazaré, de Franco Zeffirelli, lançado em 1977. Essas adequações normalmente têm consequências; por exemplo, Julien Duvivier, conhecido cineasta francês, fez a primeira ampliação do papel de Pôncio Pilatos e sua esposa Cláudia; ele nos mostrou o casal como simpáticos romanos tentando salvar a vida de Jesus, em Gólgota, de 1936. O efeito disso foi mostrar os judeus com a sua pretensa culpa extremamente agravada. Se nos lembrarmos que aquele era um período de forte sentimento antissemita e que poucos anos depois Hitler enviou milhões de judeus para a morte, poderemos ter uma pálida ideia do peso que ligeiras alterações podem significar em determinados contextos sociais.

IHU On-Line - De que maneira esta nova área de estudos se faz importante para os religiosos e para o público em geral? Que compreensões são possíveis a partir desse estudo?

Luiz Vadico -
Vou responder à sua pergunta com uma provocação: que importância a cristologia tem? Como ela se faz importante? A cristologia fílmica não é em nada diferente da cristologia que, de certa forma, fundamenta a Teologia; como comentei anteriormente, a diferença é da “qualidade do conteúdo”: uma é proveniente dos textos dos evangelhos canônicos a outra é proveniente do conteúdo dos filmes. O grande público já vem recebendo preferencialmente as suas informações históricas, imagéticas, e até mesmo religiosas, dos produtos midiáticos, e isso já se conta por pelo menos quatro décadas. É importante notar que uma teologia voltada para os produtos audiovisuais tem a vantagem de conseguir saber qual é a imagem de Jesus Cristo que os seguidores de suas religiões estão recebendo, e como trabalhar com esta imagem, ou imagens. Pois não deve ser incomum o fato de que o fiel possui na cabeça um Jesus midiático, diverso daquele que está sendo ensinado dos púlpitos e altares.

Praticar a cristologia fílmica pode ajudar a lidar com este descompasso que a modernidade nos colocou. Provavelmente os fiéis nunca tiveram tanto acesso a informação sobre Jesus Cristo e sua vida. Todavia, é uma necessidade moderna também que os teólogos se voltem para estes novos “textos sagrados” e traduzam deles para os fiéis a face de Cristo elaborada pelos diversos meios de comunicação.
Neste sentido gostaria de sugerir outro artigo nosso, que se encontra no livro novo Filmes de Cristo. Oito aproximações (São Paulo: Editora à Lápis, 2009). É o capítulo “The King of Kings – Uma Teologia da Luz” se trata de um primeiro esforço nosso de verificar uma cristologia específica num filme; acredito que ele pode servir como um esboço de trabalhos que poderão vir a serem feitos posteriormente. Isto porque eu mesmo não me dedico à Teologia e nem à Cristologia, pois meu trabalho neste caso é só apontar a sua existência, pensar nos métodos e ferramentas. O trabalho de teólogo propriamente dito deixo para os profissionais da área. E, posso estar errado, mas este trabalho começa propriamente dito a partir do momento em que uma nova “imagem de Jesus” é apontada. Aí, descobrir seus significados, desenvolvimentos e repercussões, penso ser vinculado ao campo do teólogo.

A importância da cristologia fílmica está na sua necessária aplicação. O que dizer de documentários televisivos como A Tumba Perdida de Jesus? Ou A Verdadeira História de Maria Madalena? Isto sem falar de Desconstruindo o Código Da Vinci ou o próprio filme O Código Da Vinci. Enfim, conhecer as “imagens de Jesus” mesmo quando são elaboradas de forma fragmentária – como nos caso destes filmes e documentários citados – é de extrema importância para se compreender os rumos que deve tomar uma teologia moderna, preocupada com este conhecimento que está sendo construído no audiovisual, e quem sabe até utilizando-o de forma interessante para novos construtos teológicos. Existe uma questão no ar, e sinto que cedo ou tarde ela cobrará uma resposta: Seria o imaginário relativo ao sagrado - elaborado e acolhido pelo audiovisual - tão importante quanto o próprio sagrado? Em que medida eles se afetam? Quando uma pessoa assiste a um filme de Cristo e não acredita naquele Jesus apresentado, o quanto esta resposta negativa não afeta a sua percepção de quem seja o Cristo? E quando ela acredita, que Cristo é aquele? Como podemos perceber, o que não faltam são questões importantes a serem respondidas. Esperamos ajudar um pouco neste processo de estudo destas construções imagéticas.

(Entrevista publicada no IHU-On line em 28 de março de 2011)

sábado, 14 de abril de 2012

Publicada a versão revista do artigo "O Campo do Filme Religioso"

Aos que se interessarem por filmes de assunto religioso a Revista Olhar (Ufscar) gentilmente publicou meu artigo "O Campo do Filme Religioso" no qual faço uma introdução ao assunto e teço algumas considerações teóricas. Segue o link. Aproveitem também o belo projeto editorial da revista.  http://revistaolharufscar.wordpress.com/tag/luiz-vadico/

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Preparando artigo para Socine

Em bre Angeluccia, Miguel pereira, vamos estar novamente sintonizados para mais uma Mesa na Socine. Provavelmente iremos tratar de hagiografia fílmica. Estou aqui pensando em atacar academicamente o tema mais candente de relgião e Cinema do último século: Maria Madalena! Vou verificar a evolução da personagem ao longo da história do Cinema e tentar mapear a sua influência.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O “Cristo da Fé” e o “Cristo Cinemático”. As imagens de Jesus no cinema

Migração da arte pictórica para as telas, as alterações que a representação de Cristo sofreu em diferentes produções cinematográficas e o sentido da Páscoa são analisados pelo historiador Luiz Vadico



Por: Márcia Junges e Graziela Wolfart

Examinar as produções cinematográficas cujo personagem principal é Jesus Cristo. Esse é um dos temas da entrevista a seguir, realizada por e-mail com o historiador Luiz Vadico. Para ele, os filmes A vida e a Paixão de Cristo – A paixão da Pathé, Vida de Cristo – A paixão da Gaumont e Da manjedoura à cruz são os três mais importantes sobre a vida de Cristo no Primeiro Cinema. Segundo ele, “há um fenômeno bastante interessante que ocorre nos filmes de Cristo. Como a história é conhecida e é basicamente a mesma, em geral os produtores e ou diretores conhecem as produções realizadas até o momento em que decidem fazer as suas próprias. Isso faz com que haja um diálogo entre estes diversos filmes, onde ou ocorrem referências ou a experiência dos antecessores é aproveitada”.

Licenciado e bacharelado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Vadico possui mestrado e doutorado em Multimeios pela mesma instituição. Atualmente, é professor titular da Universidade Anhembi Morumbi, supervisor do Centro de Estudos do Audiovisual (UAM), e professor de Comunicação, Estética e Cultura de Massa no curso de Extensão em TV para a Televisão Pública de Angola (TPA), em Luanda, Angola. É também membro do Conselho Editorial da Revista Interatividade e membro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine). Além disso, Vadico é também escritor e poeta.

Na programação do evento de Páscoa do Instituto Humanitas Unisinos deste ano, Vadico apresentou três conferências. A primeira, no dia 18 de março, em Porto Alegre, na Usina do Gasômetro, teve como título “Jesus no primeiro Cinema. Estética e Narrativas”. E no dia 19 de março ele falou, na Unisinos, sobre “A paixão de Cristo no primeiro Cinema. Influências Artísticas, estética e narrativa” e sobre o tema “Imaginando o Divino. Representações de Jesus no Cinema”. As três conferências também foram exibidas na Unisinos, dentro da programação Páscoa IHU 2009.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em termos gerais, como você analisa as adaptações da vida de Cristo pelo cinema?

Luiz Antônio Vadico - É um tanto quanto difícil falar “em termos gerais” sobre as adaptações, pois cada uma delas teve especificidades bastante próprias. Pensar em algo que seja comum a este universo de produção pode causar alguns equívocos de interpretação. No entanto, para atender à questão, acredito que se pode dizer que estes filmes sobre Cristo são, sobretudo, um ponto de encontro entre interesses. O interesse dos produtores em ampliar seus lucros (atraindo um público que não frequentava o cinema nos primeiros anos de sua história, mulheres e crianças); o dos exibidores (ao poderem abrir as portas dos seus estabelecimentos em dias consagrados ao descanso); o dos religiosos que poderiam ter seu trabalho de catequese ampliado pela utilização dos filmes; e, por ultimo, o interesse do público em participar de um espetáculo que o remetesse às raízes da sua fé.

Neste encontro (e às vezes entrechoque) de interesses, podemos perceber, ao longo do século XX, o esforço realizado pelos empresários do entretenimento para se apropriarem da imagem de Jesus Cristo. Enquanto ela se mantivesse somente no âmbito religioso ela se manteria “intocada”, distante de adições ou manipulações fora do contexto sacral. No entanto, no processo de adaptar a Vida de Cristo para o Cinema e depois para a TV, tendo em vista as necessidades do meio, a imagem de Jesus Cristo acabou por fim se tornando de “domínio público”.

Alterações fictícias de Jesus

No início da história do Cinema, Jesus era o Filho de Deus, cuja representação por um homem que não fosse de origem divina como ele, poderia ser questionada. Atualmente, Jesus é uma personagem do Cinema, diferente – e talvez até um pouco distante – do Cristo do universo das Igrejas. Ele pode ser apresentado se “casando” (A última tentação de Cristo, 1988) ou como um “Clown” (Godspell, 1972). Essas alterações fictícias da sua vida e personalidade sempre causarão mal-estar. No entanto, elas só se tornaram possíveis porque os meios de comunicação venceram o embate pela imagem de Jesus Cristo. Mas isso não os tornou donos de “Cristo”, pois um dos resultados importantes deste processo é o fato de que os “fiéis” sabem distinguir bastante bem entre o “Cristo da Fé” e o “Cristo Cinemático”.

Creio que, neste embate entre empresários do entretenimento e religiões institucionalizadas, todos ganhamos de alguma forma. A imagem de Jesus Cristo se tornou ainda mais plural e suas várias representações se tornaram como que um exercício para os fiéis, através do qual ele reconhece o “Cristo” que está mais em conformidade com o seu coração.

IHU On-Line - Por que considera os filmes A vida e a Paixão de Cristo - A paixão da Pathé, Vida de Cristo – A paixão da Gaumont e Da manjedoura à cruz os três mais importantes sobre a vida de Cristo no Primeiro Cinema?

Luiz Antônio Vadico - A Paixão da Pathé, de 1902/3, dirigida por Ferdinand Zecca e por Lucien Nonguet, importa em primeiro lugar por ter se tratado de um filme que foi realizado a partir de um esquema industrial de produção e distribuição, o que também é uma inovação para a época. O seu grande sucesso permitiu para a Pathé francesa um lucro imenso, pois foram vendidas milhares de cópias, coisa que permitiu alavancar a produção de diversos filmes realizados posteriormente. Além disso, o esforço estético ocorrido, e que foi muito apreciado, levou ao surgimento de uma nova produtora, empenhada em produzir obras de alta qualidade, chamada Film d’Art, que marcaria bastante a produção cinematográfica daqueles anos.

O sucesso da Paixão da Pathé repercutiu não somente na estética, mas também no aumento do custo dos filmes e do tempo de duração das novas produções. Além disso, o filme trazia algumas inovações, como a utilização do movimento de câmera, e já algumas situações fictícias na trama envolvendo Jesus.

Paixão da Gaumont

A Paixão da Gaumont, de 1906, se opõe, em parte, àquela produção, pois esteticamente está propondo uma imagem mais realista dos momentos decisivos da Paixão de Cristo. Há uma busca bastante séria em se fazer um adequado contexto histórico e social da vida de Jesus; a sua diretora, Alice Guy, tem no pintor francês James Tissot seu principal inspirador; principalmente por causa do extenso trabalho de pesquisa e levantamento realizado por ele na Palestina e no Egito. Podemos também sentir a influência de Zecca sobre essa nova produção, pois o mesmo diretor deixou a Pathé, em 1904, e acabou por trabalhar na Gaumont por algum tempo, e sua influência pode ser sentida com bastante clareza nas cenas relativas à Ressurreição de Jesus Cristo.

Da Manjedoura à Cruz

A estética de Tissot pode ser vista ainda muito mais claramente em Da manjedoura à cruz, de 1912, sob a direção de Sidney Olcott – produzido pela Kalem Company -, cujo principal mérito é ter sido o primeiro filme sobre a Vida de Jesus Cristo inteiramente rodado na Palestina.

Mas os fatores que unem as três produções de fato são a estética e o sucesso de vendas e público. A Paixão da Pathé foi o primeiro a dar um passo importante, melhorando os cenários, a movimentação em cena e buscando dar espacialidade aos diversos planos; escolheu uma estética mais “naif”, pois as imagens representadas lembravam muito as pinturas de santos nas paredes das igrejas católicas; A Paixão da Gaumont se impôs pelo realismo sem ingenuidades, acertando em cheio no gosto do público do início do século XX; e ampliando este quesito, Da manjedoura à cruz, faz a suprema proposta de “realismo” ao filmar a Vida de Cristo no lugar onde ela transcorreu.

Acredito que essas razões são suficientes para que possamos compreender a importância e o impacto que estes filmes tiveram sobre a época e sobre a história do desenvolvimento da prática cinematográfica.

IHU On-Line - Como o corpo de Cristo é representado nessas produções?

Luiz Antônio Vadico - O Corpo de Cristo possui um lugar central em nossa cultura. Então, sempre é de interesse observar como ele vem sendo mostrado e trabalhado nos diversos filmes. Nestas três produções ocorre uma modificação visual importante. Nos filmes de Peça da paixão, que surgiram a partir do ano de 1897, o corpo de Jesus e mesmo o de todos os outros personagens apareciam recobertos por uma espécie de maiô, e sobre ele os atores colocavam as roupas do figurino. No entanto, este maiô de algodão branco acabava por fazer dobras sobre o corpo dos atores, o que resultava em algo pouco elegante. Não sabemos dizer ao certo se eles utilizavam este maiô por uma questão de pudor ou se era para abrigar os atores do frio, pois com a diferença de muitos poucos anos a prática foi abandonada. O primeiro filme em que o corpo de Jesus aparece semidesnudo é A Paixão da Pathé, e isso não causou nenhum constrangimento; o mesmo foi feito pelas outras duas produções já citadas anteriormente.

De 1902 até 1912, ocorre um claro progresso na manipulação do Corpo de Cristo, pois num primeiro momento este corpo pode aparecer semi-nu e depois este corpo pode ser flagelado à exaustão, como foi no caso de Da manjedoura à cruz. O corpo de Jesus neste período é bem o corpo do sacrifício, o corpo do cordeiro que pode ser sacrificado para retirar os pecados do mundo. A violência aplicada ao extremo sobre o seu corpo só veria real concorrência num período bastante posterior, com The passion, de Mel Gibson, 2004.

IHU On-Line - Em que sentido essas produções influenciaram os filmes que foram feitos posteriormente sobre a vida de Cristo?

Luiz Antônio Vadico - Há um fenômeno bastante interessante que ocorre nos filmes de Cristo. Como a história é conhecida e é basicamente a mesma, em geral os produtores e ou diretores conhecem as produções realizadas até o momento em que decidem fazer as suas próprias. Isso faz com que haja um diálogo entre estes diversos filmes, onde ou ocorrem referências ou a experiência dos antecessores é aproveitada. Este é um dado importante, onde algum filme tenha cometido alguma “gafe” e tenha sido criticado pela sociedade, o filme posterior se esforçará em não cometer o mesmo erro.

Como comentamos anteriormente, a Paixão da Pathé teve influência direta na Paixão da Gaumont, sobretudo por que ambas eram empresas concorrentes. Quando Alice Guy realiza o seu filme ela tem a estrita missão de “opor” uma paixão àquela realizada pelo rival. Esta luta pelo mercado consumidor possibilitou o surgimento de duas ótimas produções que possuem estéticas bastante diversas e que coexistem no mesmo período de tempo, na primeira década do século XX. O sucesso dos três filmes, que continham a “Cristologia” do “Servo Sofredor” em si, e a completa ausência de críticas sérias ao seu conteúdo, acabou animando outros produtores a adotarem e manterem o mesmo formato e conteúdo ao longo dos anos, coisa que somente foi de fato rompida após a Segunda Guerra Mundial, na década de 1950, com as novas produções que serão realizadas para a TV, como O Cristo vivo, da produtora americana Cathedral, e Os mistérios do Rosário produção hispano-americana, realizada sob os auspícios da organização O Rosário em família, do conhecido Pe. Patrick Peyton.

IHU On-Line - Que valores cristãos e humanos se sobressaem nessas produções?

Luiz Antônio Vadico - Nestas três produções especificamente, não há preocupação com “valores humanos”, pois ao menos nas duas primeiras, não há grande possibilidade de informação dramática, pois nem se usavam intertítulos ainda. Tanto na Paixão da Pathé quanto na da Gaumont, o esforço recai sobre a questão Cristológica, se está contando a estória da “redenção”, como o Filho de Deus encarnou na Terra para ser sacrificado para redimir a humanidade dos seus pecados. A redenção da humanidade surge como o maior valor cristão ali contido. Toda e qualquer outra referência nos filmes se apagam diante desta. A caridade ou a fé não são temas teológicos abordados se não de maneira bastante indireta.

Além disso, os produtores, até onde temos notícias, não estavam de fato preocupados com a representação de “valores humanos” ou “cristãos”. Eles desejavam contar a Paixão de Jesus Cristo de uma forma extremamente atraente. Então, para os três casos, a estética foi um quesito mais importante do que os valores cristãos ou humanos, e esta foi bastante bem cuidada. Os três filmes tiveram versões coloridas. No caso dos dois mais antigos, foram coloridos à mão, fotograma por fotograma, e no caso de Da manjedoura à cruz, o processo foi químico, através da escolha de cores como azul, verde, sépia ou vermelho, eles realizavam a chamada “tintagem” e ou a “viragem”, que coloriam da mesma cor extensas áreas do filme. O azul era utilizado para informar ao espectador que a cenas se passavam à noite, por exemplo.

Em outras palavras, desde a escolha dos cenários, à tecnologia usada e ao processamento final da imagem, eles estavam interessados, sobretudo, em produzir algo que fosse Belo e atraente. Os valores humanos não estavam exatamente na ordem da boa qualidade de representação cinematográfica.

IHU On-Line - Que elementos das artes pictórica e gráfica migram para o cinema? E que significado essa estética adquire?

Luiz Antônio Vadico - Vários elementos migram da arte como um todo para o cinema. Formalmente, os princípios de composição dos objetos dentro do quadro; a perspectiva, longamente elaborada no contexto do Renascimento Cultural, é tratada com bastante cuidado na elaboração dos diversos planos de um filme, principalmente quando se trata de organizar o plano-dentro-do-plano; a utilização das cores, quer fosse como puro elemento estético, quer fosse por razões simbólicas, também migra das Artes pictóricas para o Cinema.

No entanto, a influência que se pode sentir de forma mais rápida e simples é a da escolha dos diretores pela utilização da obra deste ou daquele pintor como suporte estético para o seu filme. Isso implicará na escolha de um determinado estilo de iluminação, cores, composição e organização da cena. Isto pode ser visto claramente, no caso da Paixão da Pathé, em que a organização das cenas está mais próxima daquilo que era feito por Gustave Doré, no âmbito da ilustração bíblica do século XIX; ou como, no já citado caso de James Tissot, utilizado na Paixão da Gaumont no quesito estética e em Da manjedoura à cruz foi ainda utilizado com sentido narratológico.

Quando os cineastas recorrem à utilização de recursos, citações, ou até mesmo absorção da obra pictórica inteira de um determinado artista, estão sobretudo buscando encontrar no espectador a familiaridade necessária para uma boa recepção da sua obra. No quesito Paixão de Cristo, grandes mestres da pintura deram a sua contribuição ao longo da história. E o público em geral está bastante familiarizado com estas imagens que advém da arte sacra. Ver um filme que se parece com elas, de acordo com os diretores e alguns teóricos, permite que o espectador se sinta mais confortável diante daquilo que já é conhecido.

Beleza das imagens

A este raciocínio temos apenas a opor que se o produtor ou o diretor não forem bem-sucedidos neste processo, a familiaridade do espectador fará com que críticas se levantem imediatamente, relativamente à qualidade do filme rodado. George Stevens, em A maior história de todos os tempos, de 1965, foi um dos diretores que mais se preocupou com a beleza das imagens. Sua câmera ocupou-se, sobretudo, da composição e do enquadramento das paisagens. A crítica que acabou resultando por causa do seu excessivo uso, foi de que ele havia feito um filme baseado em “cartões postais”.

É interessante notar que esta “contaminação” que ocorre entre as artes faz com que se veja na tela do cinema, coisas que foram “normatizadas” em meados da Idade Média, como o Manto Azul e o Véu Branco da Virgem Maria. Em boa parte dos filmes, é com essas cores que ela vem representada. Em compensação as “contaminações” também se dão em sentido contrário. O manto de Jesus, que não havia sido vermelho até o surgimento do filme O manto sagrado, passou a exibir frequentemente essa cor desde então, seja na pintura, seja no próprio cinema.

IHU On-Line - Qual é o sentido de celebrarmos a Páscoa em nossa sociedade?

Luiz Antônio Vadico - Essas duas últimas questões são muito delicadas para serem respondidas por mim na condição de pesquisador, pois elas se referem a um contexto que, sobretudo, parece pedir um teólogo. No entanto, gostaria de respondê-las para além do âmbito acadêmico, apelando para minha própria subjetividade, se é que poderei ajudar de alguma forma nisso. A minha pergunta é se esta questão faz “sentido”. Para os cristãos, há completa pertinência em se comemorar a Páscoa, sempre houve, há e haverá. É no âmbito do Cristianismo que a celebração surge e enquanto houver Cristianismo fará sentido para o seu seguidor celebrar a Páscoa. Não consigo ver com espanto o fato de que nem todas as pessoas compreendem o sentido da Páscoa e, por isso, a comemoram de forma diferente, ou muitas vezes não lhe dão a menor importância. Se uma parte da sociedade, desligada – ou não – dos valores cristãos prefere coelho e chocolate na Páscoa, tudo bem, isso é com eles. Aqueles que preferem celebrar a Ressurreição de Jesus Cristo devem fazê-lo. O que acho difícil é que procuremos fazer um “Cristo de chocolate” que possa ser suficiente para todas as necessidades. Não, não pregaremos o coelho na cruz e nem faremos um Jesus de Chocolate.

Várias Páscoas

Acredito que Jesus ensinou claramente o caminho quando disse: “vós não sois do mundo”. Por isso, não fiquemos aborrecidos quando o “mundo” não compactuar conosco. Pensemos que atualmente existem várias Páscoas, cada uma com sua legitimidade, seja essa legitimação comercial, religiosa ou cultural, são sobretudo práticas do “mundo”; neste contexto, lembremos que o Cristão dedica-se à obra de Deus e à maior edificação do Espírito. Em essência ele não é do mundo, e sabe que Deus deve ser cultuado em “espírito e verdade”, e ele sabe, ao menos por lógica, que não tem como pedir ao “mundo” que legitime a sua prática.

Atualmente, ser cristão, tanto quanto no período tardio do Império Romano, passa necessariamente por uma escolha pessoal, por uma conversão ou até mesmo por uma reconversão; então, mais do que nunca, para aquele que se encontrou em Cristo, faz todo sentido comemorar e celebrar a Páscoa. “Porque se Jesus não ressuscitou é vã a sua fé”, mas se para nós ele ressuscitou, então celebremos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Antissemitismo e Filmes de Cristo

Hoje tivemos o prazer de ministrar uma palestra para os alunos calouros de Cinema da Universidade Anhembi Morumbi. O assunto: Antissemitismo nos Filmes de Cristo. Apesar de ser algo bastante palpitante e delicado, em nosso país parece carecer um pouco de interesse. Afinal, dizemos que vivemos num país multirracial, multirreligioso e sem preconceitos. Sim, vivemos, não tão colorido quanto queremos que seja, mas infinitamente menos "agressivo" que outros países. Não obstante, cabe a nós não deixarmos que as futuras gerações ampliem preconceitos e discriminações de qualquer espécie. Acho o assunto - antissemitismo - bastante interessante, mesmo que ele não me toque particularmente. No entanto, o povo judeu sofreu - e ainda sofre - perseguição sistemática por tantos séculos que não custa ficarmos mais alguns séculos estabelecendo barreiras para que o preconceito e a perseguição não retornem jamais.
O filme Golgotha, de Julien Duvivier, de 1936, é um destes raros exemplos onde o antissemitismo é pernicioso, presente e destilado com muita sutileza, tão grande sutileza que passa praticamente incólume à críticas na História do Cinema. Trabalho de um cineasta consagrado, um dos três grandes do realismo poético francês, ao lado de Marcel Carné e Jean Renoir, o filme, mais do que uma peça deliberada de antissemitismo é o registro de uma época onde este assunto era caro ao povo francês. Nas palavras do intelectual Michel Marie, para este que vos escreve: Até os judeus eram antrissemitas na França da década de trinta.
Infelizmente essa afirmação não encerra e nem pode encerrar o assunto. Ainda falta um bom artigo que deixe à mostra as vísceras desta última propaganda antissemita que anda solta por aí. Com o tempo o artigo nascerá. Até!

domingo, 29 de janeiro de 2012

Onde comprar o livro Filmes de Cristo. Oito aproximações.

Bem, como é sabido por todos da área acadêmica, às vezes temos dificuldades com a distribuição e venda dos nossos livros. Tendo em vista isso criei um blog especialmente dedicado ao livro Filmes de Cristo. Oito aproximações, através do qual informo mais sobre o livro, o publico ao qual se destina e também coloquei uma forma de comercialização, através do PagSeguro. Tem dado certo. O link é http://www.filmesdecristo.blogspot.com/ acessem, conheçam, divulguem. Estou a disposição para dúvidas e comentários. Abração

domingo, 3 de abril de 2011

Páscoa IHU 2011

Neste último dia 31 de março tivemos a felicidade de estar com os (as) amigos(as) da Unisinos, em São Leopoldo – RS; participamos do início do evento Páscoa IHU que ocorre todos os anos e é mantido pelo Instituto Humanitas. Fomos muito bem recebidos como sempre, obrigado a todas pelo carinho a Ana, a Cleusa Andreatta, e a Bruna.


Abaixo seguem alguns links onde poderão conferir o excelente trabalho da equipe do IHU:

A Atualidade da Cristologia Fílmica

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3732&secao=355


Blog IHU As Relações entre Cinema Religião e Audiovisual

http://unisinos.br/blog/ihu/2011/03/30/as-relacoes-entre-cinema-religiao-e-audiovisual/


Curtam também a excelente matéria: Cristo no cinema

http://unisinos.br/blog/ihu/category/eventos/

A Mesa Hagiografia Fílmica: A vida dos Santos no Cinema

Na próxima Socine teremos o privilégio de nos sentarmos à mesa novamente com os queridos Angeluccia Habert e Miguel Pereira. Desta vez a idéia do tema partiu da Angeluccia estudar a vida dos Santos no cinema. A Hagiografia que é um antigo gênero literário também acabou por ter seu espaço no Cinema, buscaremos refletir sobre algumas produções relativamente à estética e narrativa. Assim que eu tiver maiores notícias colocarei aqui no Blog os resumos das apresentações. Mas aguardem, tenho certeza de que será bem interessante.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Lançamento do livro: Filmes de Cristo. Oito aproximações.

Depois de muito ensaio eis que iremos lançar um primeiro livro: Filmes de Cristo. Oito aproximações. O evento correrá no Rio de Janeiro no recinto da PUCRJ, casa que sempre nos recebeu tão bem, e onde contamos com amigos queridos como Miguel Pereira e Angeluccia Habert. O lançamento faz parte da programação da Compós, assim como outros livros da área de Comunicação do país.
O livro reúne oito artigos que apresentam o assunto Filmes de Cristo para os pesquisadores e público em geral. Cada um deles com uma abordagem distinta. Com certeza o carro chefe do livro é o artigo Cristologia Fílmica, onde propomos formas e métodos de análise da produção cinematográfica que elabora cristologia através de imagens.

Ainda não tenho imagem do livro, mas ficou bonitinho o danado. A Editora à Lápis caprichou bastante, espero que os amigos curtam, por dentro e por fora. Afinal, cultura acadêmica não dispensa um pouquinho de arte e estética, não é?!

Artigo O Campo do Filme Religioso, aceito no GT Fotografia, Cinema e Vídeo da Compós.

No artigo buscamos estabelecer o que é o filme religioso. Nós definimos e limitamos as características do Campo do filme religioso, tomando-o como um objeto de estudo acadêmico. No texto questionamos a relação direta que comumente os pesquisadores fazem entre filme religioso e gênero religioso; e nos propomos observá-lo como um campo, com características próprias, no qual diversos gêneros se encontram reunidos. Por fim, negamos a existência do gênero religioso, e substituímos essa idéia pela de Campo do Filme Religioso.

O assunto será apresentado no tradicional GT Fotografia, Cinema e vídeo, sob coordenação da profa. Dra. Bernadette Lyra. Será um momento muito oportuno para debatermos as idéias novas que contém o artigo, uma vez que ele também será o abre-alas do livro novo O Campo do Filme Religioso, que desejamos publicar ainda neste ano e quiçá no Encontro da Socine (Sociedade de Cinema e Audiovisual); é uma oportunidade excelente, pois a discussão com colega da área podem levar ao aclaramento e explicitamento de novos problemas e idéias. Enfim, o prazer da ciência.

Mesa “A Santificação e Seus Rituais Fílmicos” - XIV ENCONTRO ANUAL DA SOCINE (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual) – que se realizará em Recife na UFPE – outubro/2010

No próximo Encontro Socine, novamente teremos o prazer de apresetarmos trabalho junto aos queridos Miguel Pereira e Angeluccia Habert. Nossa mesa da última Socine foi muito feliz, o público, as discussões e as profícuas trocas que se seguiram. Novamente o tema do Cinema, audiovisual e religião nos unirá. A mesa desta vez leva o nome de “A Santificação e Seus Rituais Fílmicos” e não é por acaso que o termo santificação vem aí colocado. Vejam abaixo os resumos dos textos.

Proponente: Miguel Serpa Pereira - Instituição de vínculo: PUC-Rio
Mini currículo: Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio. Doutor em Cinema pela USP. Diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio de 1978 a 1986 e de 1999 a 2003. Professor de disciplinas da área de cinema desde 1975, na PUC-Rio. Crítico de cinema do jornal O Globo de 1966 a 1983. Co-organizador do livro "Comunicação, Representação e Práticas Sociais" (2004), co-autor do livro "O Desafio do Cinema". Autor de inúmeros artigos em periódicos nacionais.

Título: A Santificação pelo Sangue do Inocente em "Abril despedaçado", de Walter Salles
Resumo: Tomando Abril despedaçado (2001), de Walter Salles, como objeto, pretendemos analisar nessa obra os elementos que constroem sua narrativa como um relato bíblico, em que o sangue do inocente redime e salva uma pequena sociedade num estado de quase decomposição moral. A construção dos afetos, a opressão familiar, a poética do dia-a-dia e o peso do mal que paira sobre o ambiente conduzem a inúmeras equivalências observáveis nas sociedades contemporâneas.

Resumo Expandido:
O deslocamento espacial para o Nordeste brasileiro, promovido por Walter Salles, ao adaptar para o cinema o livro de Ismail Kadaré, não retira o sentido da tragédia que está no original albanês. Embora usando de sua liberdade criativa para promover e ressaltar elementos da cultura bíblica ocidental, Walter Salles constrói um relato cinematográfico identificado por seu intenso humanismo em contraposição ao absurdo da vendeta, uma verdadeira tragédia, que está no livro de Kadaré. Assim, importa menos o processo de transição do texto literário para o filme e mais os elementos que, no filme, levam aos conceitos bíblicos e ao processo de santificação pela redenção.

No seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville arrola dezoito títulos ou nomes que representam e definem o que poderia se chamar de um “homem virtuoso ou santo”. Não que todos esse atributos componham o “homem ideal”, como um tipo a ser modelado. No entanto, mesmo que isso não seja observável no conceito da vida cotidiana, o espaço da transcendência joga uma certa luz sobre essa contradição entre a busca da virtude e transgressão a esse bem que foge à contingência do existir.

Quando Susan Sontag fala da forma da obra como “arte reflexiva”, referindo-se ao cinema de Robert Bresson, entende esse lugar como o “prolongar ou retardar emoções” (SONTAG, 1987), entre tantos outros procedimentos de um estilo espiritual do cinema do cineasta francês. Já Paul Schrader define o sagrado presente em três cineastas de culturas diferentes, Ozu, Bresson e Dreyer, como o transcendente (SCHRADER, 2002).

Abril despedaçado (2001), de Walter Salles, compõe um quadro no qual o processo narrativo colhe elementos constitutivos não apenas da santificação mas do transcendente enquanto elemento do trágico em que se constituem personagens, situações e ambiente físico. É mais do que batido que a Bíblia narra histórias sangrentas. Na verdade, o sangue cristão é redentor dos males. Santifica, pelo exemplo e virtudes, o mundo que se torna símbolo sagrado. Assim, o mal, como a vingança, só é expiado no teatro da tragédia, com o sangue do inocente. O humano mais humano é a relação entre Tonho e Pacu. Mas, o imanente mais transcendente, é o sacrifício redentor. É o santo inocente.
Pretendemos analisar, no texto, como Walter Salles constrói essas relações entre opostos através de uma estética centrada em elementos simbólicos de um percurso de grande rigor estilístico e de uma intensa arte reflexiva.

Bibliografia:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982
AGAMBEN, Giorgio. Profanações.São Paulo: Boitempo, 2007
COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1996
KADARÉ, Ismail. Abril Despedaçado. São Paulo: Companhia das Letras, 2001
SCHRADER, Paul. Il Trascendente nel Cinema. Roma: Donzelli, 2002
SONTAG, Susan. Contra a Interpretação. Porto Alegre: L&PM, 1987


Proponente: Luiz Vadico - Instituição de vínculo: UAM
Mini currículo: Prof. Dr. Luiz Vadico - Historiador e Escritor - graduado em História/IFCH - UNICAMP – Doutor em Multimeios/IA - UNICAMP. Prof. Titular do Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, SP. Participa dos Grupos de Pesquisa: Religião e Sagrado no Cinema e no Audiovisual; e Formas e Imagens na Comunicação Contemporânea. Pesquisa atual: Três Paixões: Pathè, Gaumont e Kalem (1902-1912). Um estudo comparado entre as três produções mais importantes sobre a Vida de Cristo no Primeiro Cinema.

Título: A Santificação do Filme: o produto e o evento.
Resumo: Na apresentação verificaremos o processo de santificação pelo qual o produto midiático religioso passa. Observamos isso através do comportamento dos produtores e atores (Cecil B. DeMille, Sidney Ollcott, Mel Gibson, George Stevens, etc) durante o processo de feitura do filme e do comportamento dos espectadores diante do seu visionamento. Observamos ainda o aspecto de uso social do produto midiático, e discutiremos o conceito de Arte Sagrada de Burkhardt em relação ao filme religioso.

Resumo Expandido:
Ao estudarmos o Campo do Filme Religioso chamou-nos atenção os vários aspectos que relacionavam algumas das suas produções com o processo de elaboração da Arte Sacra. Este tipo de arte, normalmente associado às igrejas e às manifestações religiosas em geral, conhecida pelas suas representações na pintura, escultura e música, não se traduzia num conceito eficiente para explicarem os comportamentos que encontramos ao longo da história dos filmes religiosos. Buscamos então, dialogar com um teórico pouco explorado e pouco convencional, Titus Burckhardt, filósofo e escritor suíço-alemão. Em seu livro, A Arte Sagrada no Oriente e no Ocidente - Princípios e métodos (1959), buscou estabelecer o conceito de Arte Sagrada, o qual discutimos no início deste trabalho.

Nem todos os filmes do Campo do Filme Religioso passam pelo processo de “sacralização” ou “santificação”, mas ele ocorre e reflete uma tradição comportamental bastante antiga. Este comportamento já havia sido observado durante a Idade Média, e em alguns outros momentos da história, os artistas ao realizarem o seu trabalho preocupavam-se em fazê-lo como um ato sacral (Burckhardt, 2004: 19), jejuavam, oravam, meditavam sobre os símbolos adequados a serem utilizados, em busca de uma inspiração que viesse de Deus para que a representação pudesse dignamente manifestar o sagrado e permitir com ele um contato. Os ícones bizantinos, gregos e russos são um bom exemplo deste tipo de produção (Gharib, 1997). Também os pintores do século XIX chamados de Pré-Rafaelitas buscaram este “estado especial” para realizarem suas obras (Argan, 1992: 103).

Na pesquisa, ao longo da história do cinema, observamos vários aspectos deste fenômeno, os gestos – e a intenção - de santificação em torno do produto midiático, visto como processo, produto, e uso. Analisamos um extenso conjunto de filmes, do qual destacamos “Da Manjedoura à Cruz” (Ollcott, 1912), “O Rei dos Reis” (DeMille, 1927), “Os Dez mandamentos” (DeMille, 1926/1956), “A Maior História de Todos os Tempos” (Stevens, 1965) e “A Paixão de Cristo” (Gibson, 2005). Primeiramente verificamos o desejo de criar um objeto “puro” através de um comportamento “puro” (produtores, diretores, atores, técnicos, etc) diretamente relacionado ao sagrado, vimos também as formas empregadas para tanto. Verificamos que a “santificação” se estendeu também ao local de exibição e notamos a transformação de um território profano, num espaço relativo às coisas do sagrado. E, bastante relacionado a este fato, mas não a ele atrelado necessariamente, o aspecto do evento, como uma forma de emprestar santidade ao produto midiático.

Expandindo essas primeiras conclusões, pudemos perceber o importante dado da temporalidade, como se estabeleceu uma estreita relação entre o produto midiático e o calendário litúrgico e para além disso, com a duração do tempo da projeção, onde se instaura uma temporalidade típica do sagrado. E, enfim, o último aspecto, mas que se encontra estreitamente relacionado a todos os outros, aquele que dá um fim social a este produto, o do seu uso para a benemerência, que observamos, tem mão dupla, qualifica e santifica o promotor do evento e qualifica sacralmente o uso que se faz do objeto midiático.

Não iremos especular sobre o estranho fato de que o filme, como um produto objetificável não se torna de forma alguma em algo santo. Ele não passa por um processo de fetichização coletiva. Mas, como vimos, o fato é que o produto midiático do Campo do Filme Religioso provoca comportamentos e usos semelhantes aos da Arte Sagrada.

Bibliografia:
BAUGH, L. 2000. Imaging the Divine. Jesus and Christ-figures in Film. Franklin, Sheed & Ward, 338 p.
BURCKHARDT, T. 2004. A Arte Sagrada no Oriente e no Ocidente. Princípios e métodos. São Paulo, Attar Editorial, 266 p.
TATUM, B. 1997. Jesus at the Movies. Guide to the First Hundred Years. Santa Rosa, Polebridge Press, 245 p.
VADICO, L. 2006. “Os Filmes de Cristo no Brasil. A Recepção como fator de influência estilística”, in: Galáxia. v. 6 n.11. São Paulo, PUC-SP – EDUC, pp. 87-103.

Proponente: Angeluccia Bernardes Habert - Instituição de vínculo: PUC/Rio
Mini currículo: Angeluccia Bernardes Habert é doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, Mestre em Ciências Sociais pela FFLCH/USP e é professora do programa de Mestrado em Comunicação Social da PUC-Rio. É autora de "A fotonovela e a Indústria Cultural" e "A Bahia de outr'ora, agora", pesquisas sobre cinema documentário e sobre cinema e religião.

Título: A questão moral e a experiência em dois filmes contemporâneos
Resumo: Investiga-se, a partir de A Serious Man (Um homem sério), 2010, de Joel e Ethan Coen e Einaym Pkuhot (Eyes Wide Open ), 2009, de Haim Tabakman, como a presença de um olhar de estranhamento desloca certezas e aflora desejos, duplamente, na ação diegética e na recepção. Discute-se a implicação paradoxal - que precipita uma outra forma de leitura que não a usual, transparente, muito de acordo com a técnica exegética “não leia sempre igual”, dos estudiosos do Talmud.

Resumo Expandido:
Investiga-se, a partir de A Serious Man (Um homem sério), 2010, de Joel e Ethan Coen e Einaym Pkuhot (Eyes Wide Open ), 2009, de Haim Tabakman, como a presença de um olhar de estranhamento desloca certezas e aflora desejos, duplamente, na ação diegética e na recepção. Ao reconhecer nesses filmes uma implicação paradoxal, que precipita uma outra forma de leitura que não a usual, transparente, muito de acordo com a técnica exegética “não leia sempre igual”, praticada pelos estudiosos do Talmud, o artigo discutirá santidade, interdição e liberdade. O uso da técnica que soletra ou vocaliza de forma diferente as palavras do texto não desconhece o sentido existente subjacente, mas proporciona novas e múltiplas interpretações.

O filme dos irmãos Coen inicia-se com uma frase do famoso rabino Rashi: “Receba com simplicidade tudo o que lhe acontece”. Segue-se uma cena fantasmástica, atemporal e decorrida em uma aldeia européia que pode ser lida com diferentes vocalizações e inquieta o espectador convencional, como uma peça que não se encaixa. Em seguida, ouve-se música moderna, enquanto um grande close mostra um auricular e um ouvido e situa a ação em uma escola hebraica, no centro dos Estados Unido, nos anos cinqüenta. Uma comédia cáustica, uma sátira cruel, lerão críticos e espectadores que acompanham o personagem, Larry, levado por um turbilhão de acontecimentos que não controla, aturdido e atarantado. Presente em sua perplexidade está o desejo de reconhecer a verdade última das coisas. Presente está a sua passividade estóica, que recebe os males sem revolta, até ao final, quando um tornado virá a seu encontro e ele nada perceberá. Um Job contemporâneo, pergunto?

A pedagogia moral das pequenas historias da tradição judaica transformou- se em instrumento de crítica e de acomodação à realidade banal e adversa, forte expressão de humor e ironia no mundo contemporâneo. Ilustração permanente da angústia do absurdo da condição humana, nunca deixou, ainda que distante do universo das aldeias e das comunidades religiosas, de ser expressão da dúvida e da pequenez humana frente ao grande.

O filme de Haim Tabkman se inscreve em outro registro estilístico, uma obra com olhar quase documental, com uma câmera de observação que espera e colhe com precisão os gestos e os detalhes do que encena. A poesia e o ritmo contido envolvem o registro deste cotidiano em uma beleza que extrapola o circunstancial.

Localizado em um bairro de judeus ortodoxos em Israel, o filme descreve um entorno de pessoas que experienciam, dia a dia, os preceitos religiosos e o estudo dos Livros Sagrados . Na cena inicial, a câmera espera para registrar, com paciência, uma ação corriqueira, que parece se prolongar no tempo, e prepara a expectativa de algo que acontecerá, sempre aos poucos, sem nenhuma preocupação com a velocidade. Preocupa-se em descrever o homem piedoso, um açougueiro religioso (kosher), que procura "amar as dificuldades" e “ser servo de Deus”. A santidade, do ponto de vista religioso, constitui-se nas boas obras, nos preceitos a serem obedecidos e no estudo dos Livros Sagrados. Mas a felicidade e o prazer que são prometidos ao homem bom parecem surgir na visita daquele jovem viajante e no desejo que ele lhe desperta.

O amor entre dois homens religiosos leva à discussão da interdição e do pecado. Em meio à paixão que aumenta, o homem mais velho negligencia o trabalho, a família, a comunidade religiosa e seus preceitos. Uma cadeia de transgressões e de omissões o leva enfim ao pecado maior. Novamente, defronta-se o espectador com uma historia que inquieta e não fecha. Se este é um filme que exorta a relação de amor entre dois homens como a felicidade prometida, a construção do filme - no ambiente de relações tão orgânicas e entrelaçadas - apresenta também uma discussão de responsabilidades rompidas e de omissões, que de forma alguma ultrapassará a beleza e o reconhecimento da libertação feita sobre o cotidiano insuficiente.

Bibliografia:
BUBER, Martin. Histórias do Rabi. São Paulo: Perspectiva, 1967.
CAILLOIS, Roger. O Homem e o Sagrado. Lisboa: Edições 70, 1988.
CERTEAU, MICHEL. Le Lieu de l’autre – Histoire religieuse et mystique. Paris: Gallimard/ Seuil, 2005
PUCHEU, Alberto. Nove abraços no inapreensível – filosofia e arte em Giorgio Agamben. São Paulo: Cultura Dinâmica, 2008.
SEDLMAYER, Sabrina, GUIMARÃES, César e OTTE, Georg (orgs.) O Comum e a experiência da linguagem. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2007.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Entrevista Especial no IHU

O Instituto Humanitas, ligado a Unisinos de São Leopoldo, convidou-nos para uma entrevista. Está on-line. Nela vesamos sobre várias questões relativas a cinema contemporâneo e religião, inclusive sobr "Avatar". Os que tiverem curiosidade, visitem o site: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=92&task=detalhe&id=28880

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Lembrar Jesus - Feliz Natal!!

Lembrar de Jesus é sobretudo lembrar do melhor do humano, divido com vocês as coisas que se mantêm na minha memória e no meu coração:
“Vinde a mim todos vós que estais sobrecarregados que eu vos aliviarei...”
“Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”
“Bem aventurados os pacificadores, pois serão chamados de filhos de Deus”
“Bem aventurados os misericordiosos, pois receberão misericórdia...”
“É necessário que venham os escândalos, mas ai daquele por quem eles venham...”
“Ai de vós, Escribas e Fariseus, hipócritas! Porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando!”
“Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que tiverdes medido vos medirão também.”
“Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe.”
“Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés, e, voltando-se, vos dilacerem.”
“Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.”
“É necessário que o joio e o trigo cresçam juntos, até a colheita...”
“Sois o sal da Terra. O sal é certamente bom; caso porém se torne insípido, como restaurar-lhe o sabor? Nem presta para a terra, nem mesmo para o monturo; lançam-no fora. Quem tem ouvidos para ouvir ouça.”
“Pedi, e dar-se-vos-à; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.”
“Onde está o teu tesouro, ai está o teu coração.”
“Cuida para que os teus olhos sejam bons...”
“Porque me chamais bom? Bom é o Pai que está nos céus!”
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas do velador, e alumia a todos que se encontram na casa. Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens...”
“Quem desejar ser o maior deve ser o servidor de todos...”

"Fazei isso em memória de mim..."
Do tempo da infância à idade adulta, isto foi tudo o que sobrou de Jesus em mim. A cada experiência nova estas palavras faziam mais sentido ou ganhavam outros e novos sentidos, até a plenitude do seu significado... A doçura e a firmeza de Jesus... Feliz Natal, há pouca coisa que um escritor possa acrescentar a tudo isso.


Luiz Vadico

As parábolas não esquecidas:
“A dracma perdida...”
“O semeador...”
“O Reino dos Céus como o levedo...”
“A pérola de grande valor”
“O óbolo da viúva”

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Os Pesquisadores do Grupo


Abaixo citamos em linhas gerais o trabalho de cada um dos pesquisadores e seus interesses.
Linha1:
Celina Paiva:
Busca compreender as múltiplas facetas da violência contemporânea e o sagrado.
Ilca Moya: Pretende aprofundas os estudos nas relações entre Sexo e Sagrado.
Geraldo de Lima: aprofunda suas pesquisas no campo dos mundos paralelos e examina os mundos propostos pelo sagrado.
Karyna Berenguer: aprofunda as relações do sagrado e da religião na obra de Andrei Tarkovsk.
Wilson Ferreira: Aborda a questão do Gnosticismo no cinema Contemporâneo.

Linha2:
Angelúcia Habert: seu último trabalho analisava os gestos das benzedeiras no documentário de Andréia Tonacci. Situando-se nas relações antropológicas do tema.
Luiz Vadico: Estuda estética, narratividade e formação dos Filmes de Cristo, e desenvolve trabalho com o Campo do Filme Religioso.
Daniel Paes: Verifica a influência Católica no Cinema através das Revistas de Crítica cinematográfica mantida pelas instituições religiosas.
Marcos Brandão: aprofunda o tema da redenção e do sacrifício e as suas influências estéticas e narrativas nos musicais.
Miguel Serpa Pereira: Aprofunda as discussões relativas ao Cinema praticado por cineastas cristãos.

Criação do Grupo de Pesquisa "Religião e Sagrado no Cinema e no Audiovisual"


Em Outubro de 2009, após alguns anos de espera, conseguimos junto a amigos queridos criar o Grupo de Pesquisa “Religião e Sagrado no Cinema e no Audiovisual”. A finalidade é ampliar, incentivar e divulgar a pesquisa na área. Contando com pessoas criativas e repletas de novos métodos e ângulos de abordagem, esperamos que este grupo venha a crescer e a multiplicar os estudos acadêmicos desta que é uma das áreas mais carentes de pesquisas contínuas e organizadas do país. Todos os envolvidos buscam ser isentos quanto aos aspectos envolvidos no que diz respeito tanto à religião quanto aos areligiosos. Isenção difícil de se conseguir, mas desejada e praticável. Abaixo segue a proposta do Grupo.

Grupo Religião e Sagrado no Cinema e no Audiovisual.
Dedica-se ao estudo das diferentes manifestações da Religião e do Sagrado no cinema e no audiovisual. O objetivo é compreender a forma como as diversas práticas religiosas lidaram e se apropriaram dos meios de comunicação, bem como buscar entender a experiência que permite a sobrevivência de fragmentos do discurso religioso, e do sagrado, na contemporaneidade. Essa compreensão passa pela busca de novos métodos de análise que permitam disponibilizar maneiras adequadas a todos os pesquisadores para lidarem e reconhecerem as várias facetas dos veios religiosos.
Os produtos audiovisuais, cinematográficos e midiáticos de maneira geral, poderão ser oriundos de confissões religiosas ou não. A religião e as práticas relativas ao Sagrado são um campo bastante amplo que merecem a dedicação e especialização de pesquisadores em seu estudo cuidadoso. Fazemos uma diferenciação entre Religião e Sagrado, no sentido de colocar no primeiro grupo as práticas relativas às religiões institucionalizadas, seus representantes e aqueles que de forma indireta filiam-se aos seus preceitos; no segundo grupo se instauram todas as práticas percebidas como fazendo parte do pensamento relativo ao Sagrado, como por exemplo: mitologias, narrativas míticas, referências fragmentárias de elementos religiosos, etc. Esta abertura ampla dos mais variados temas e assuntos é vista como necessária para que o diálogo entre os diversos pesquisadores possa se estabelecer de forma criativa e ao mesmo tempo enriquecedora.
Os envolvidos no grupo utilizam diferentes formas e métodos para a análise dos produtos midiáticos, no mais diversos campos, desde a história, teologia, elementos do sagrado, até a análise fílmica propriamente dita. Faz parte do cotidiano da pesquisa observar narratividade, estética, confluências tecnológicas, contribuições, re-apropriações, releituras e transformações no universo religioso via diálogo com as práticas comunicacionais.
O Grupo tem sede na Universidade Anhembi Morumbi. Participam pesquisadores de diversas instituições universitárias, inclusive alunos de cursos de pós-graduação e de graduação. Os trabalhos dos participantes são apresentados em Congressos, Seminários e Encontros, ligados à área e de áreas afins, tais como Intercom, Compós, Socine, e outros. Além disso, são publicados em anais e coletâneas da área.
Linhas
Sagrado, Cinema e audiovisual: Estuda as fronteiras, apropriações e reapropriações, novas formas de manifestação, elementos relativos à sobrevivência do Sagrado nas narrativas e estéticas contemporâneas, bem como a apropriação que o universo midiático faz destes elementos em suas práticas e produtos, e como estes produtos permitem e instauram novas formas de manifestação do Sagrado.
Religião, Cinema e Audiovisual: Estuda a assimilação e o uso pelas religiões institucionalizadas dos meios comunicacionais, a apropriação das religiões e suas práticas pelas mídias massivas, as migrações dos símbolos, ritos e narrativas tradicionais para os novos meios, bem como o discurso teológico propiciado por estes. São pesquisados produtos de origem confessional ou a ela relacionados, além dos não confessionais.

Criation of the "Group Religion and Sacred in Film and Mass Media!


Is dedicated to the study of various manifestations of religion and the sacred in film and in mass media. The goal is to understand how the various religious practices deal and have adapted to the media, and seek to understand the survival of fragments of religious discourse, and the sacred in contemporary society. Hopes are also developing new methods of analysis that could benefit researchers.
The objects of research are film and media products, it may be of religious origin or not. The religion and practices relating to the Sacred is a very broad field of study, and deserve the dedication and expertise of researchers, so there is progress in their study. We make a distinction between Religion and Sacred, we put in the first group practices concerning institutionalized religions, their representatives and those of indirect way filiam up to its precepts; in the second group we put all the practices perceived as part of the thinking on the sacred, such as mythology, mythical narratives, fragmentary references to religious elements, etc.. The opening of several broad themes and issues is seen as necessary for the dialogue among researchers can be so creative while enriching.
The researchers involved in the group use different forms and methods of analysis of media products, going from history, theology, elements of the sacred, to the filmic analysis. In the research we look at the narrative, aesthetic, technological convergence, contributions, appropriations, rereading, and religious transformations in the universe via dialogue with the communication practices.
The Group is headquartered at the University Anhembi Morumbi. Join researchers from several universities, including students of post-graduate and graduate. The work of the participants are presented in meetings and seminars, related to the area and related areas, such as Intercom, Compós, Socine, and others. Also, are published in the collection and anal area.
Lines
Sacred, Cinema and Audiovisual: Study borders, appropriations, new forms of expression, elements relating to the survival of the Sacred in the narratives and contemporary aesthetic. There is also the world media appropriates these elements in their practices and productes, and how these products introduces new forms of expression of the Sacred. Researchers:
Religion, Cinema and Audiovisual: Study how the institutional religions assimilates the new media, we verifies like the media ownership of religions and their practices. in the search seeks the migration of symbols, rituals and traditional narratives for new media, is also studying how the theological discourse arises through the mass media. Are objects of research confessional products or related to it, besides the products of non-denominational. Researchers: